sexta-feira, 6 de setembro de 2013

92 mil toneladas de TNT

Caramba, um bebé recém-nascido tem uma bateria pior que a de um iPhone. Dorme grande parte do dia. Chego a casa, quero brincar com ela e nada. Às vezes fico à espera, impaciente, a andar de um lado para o outro e ela dorme e ignora-me, mesmo quando a Plaft vai ao WC e eu aproveito para pegar nela e atiro-a ao ar e penduro-a por um pé, danço a valsa com ela ao colo pela casa toda e depois finjo que está a ser farejada por uma matilha de lobos esfomeada que discute entre si se a adoptam ou a devoram viva ali mesmo. A Plaft sai do wc e eu componho a bebé rapidamente, embrulhado-a na manta como um crepe. Nada. Dorme. Chego ao ponto de a raptar da alcofa, quando a mãe está a dormir. Entro de gatas no quarto, abocanho-lhe o baby grow com os dentes e levo-a para a sala, para ver se a acordo. De pouco em pouco tempo, tem de se meter num dos dois carregadores mamários da Plaft que, por sua vez, vai descarregando as suas baterias pessoais e está neste momento num estado mental muito semelhante ao do bebé. Talvez seja um processo de sintonização mãe-filho? A mãe regride e o bebé progride! É assim mesmo que deve ser. Mas não se pense que o bebé fica todo enérgico depois das mamadas. Não senhor. Entra outra vez em sleep mode, às vezes com um fio de baba a escorrer-lhe da boca. A bateria vai carregando muito lentamente... Baby Battery 05%.... 6%.... 7%.... Por isso, é com enorme alegria que encaro os momentos em que o bebé está bem acordado e interactivo! Nem que seja às 4 da manhã! Sei que me vou arrepender disto se ela tiver cólicas um dia. Mas até lá, é muito divertido brincar com ela nesses momentos, mesmo que grande parte da brincadeira se resuma a vê-la fazer expressões faciais nas quais eu tento vislumbrar a sua complexa personalidade. Penso que vai ser actriz como a mãe, porque no espaço de 5 segundos é capaz de exprimir todo o espectro de emoções humanas. É como se fosse uma pessoa com um sintonizador de rádio avariado. Brrll feliz feliz :D bzzt triste :( bzzt X[ dor :S medo bzzz espanto bzzt sono -_- bzzt O_O SURPRESA Bzzzzt Tenho utilizado muitas técnicas romanas de educação infantil. Os romanos eram excelentes do ponto de vista pedagógico e eram grandes conhecedores de puericultura. Os bebés eram enfaixados, submetidos a banhos frios, a exercícios de força e resistência e sem qualquer demonstração de afecto da parte do pai. Ok, a taxa de mortalidade infantil rondava os 80%, mas uma Júlia César não se faz com Brazeltons e falinhas mansas. Não chego a esses extremos, mas ontem foi dia de banhos e pude verificar que a bebé já desenvolveu um reflexo de boiar. Notei que a sua pança redondinha emerge naturalmente. Excelente sinal, já consegue sobreviver a um naufrágio, por exemplo. Depois do banho, seguiu-se a massagem com óleos e unguentos trazidos como oferendas de todas as partes do reino. E hoje de manhã, enquanto a mamã tentava recuperar um pouco de sanidade mental dormindo e o papá fazia o seu ioga e os exercícios de força com os halteres e a bola medicinal adquiridos recentemente na decathlon, a bebé teve o seu tummy time: deitada de barriga no tapete de borracha. Lemos que isso favorece a coordenação motora. Observei-a com a atenção o tempo todo. Devo dizer que não fiquei muito impressionado. Estava à espera que gatinhasse, apesar dos "livros" dizerem que os bebés só começam a gatinhar entre os 6 e os 10 meses e ela só ter duas semanas. Queria que pelo menos ela levantasse a cabeça. Só esperneou um pouco e fungou com um bacorinho quando lhe dava para afocinhar desajeitadamente no tapete, requerendo a minha intervenção para a voltar a colocar na posição de rã atlética e limpar a baba. Decidi aumentar o nível de dificuldade e pousei um haltere em cima do rabo, preso na fralda. Protestou com um "maaah" fraquinho. Substituí o haltere de 3kg por um de 1.5kg*. Também não se conseguiu mexer. Penso que é uma questão de motivação. Quando as baterias dela estão a ficar a zero, com sinais de fome e sono, o sinal discreto e subtil que aprendi a identificar correctamente - como excelente pai observador que sou - envolve mudar de cor para vermelho tomate, esticar os braços com toda a força e dar pontapés violentos e chorar aos berros com a goela amplamente aberta de modo a que os cães no raio de 2km comecem a ladrar. Ocorreu-me que talvez esteja a pedir ajuda aos vizinhos ou aos próprios cães. Eu bem lhe digo "hei, calma, então? é preciso gritar assim?" Sei que este tipo de manifestação poderia passar despercebida a um pai menos atento, mas eu percebo depressa que algo de errado se passa. Registo também que ela contém em si muita energia que só precisa de ser focada em actividades diversas e não apenas no binómio dormir-comer. Uma boa estimativa da energia do bebé pode ser obtida pela fórmula E=Mc2. Para um bebé de 4.3kg temos uma energia de 3.8646e+17 joules, mais ou menos o equivalente a 92 mil megatoneladas de TNT. Por isso, é tudo uma questão de motivação certa!


*Plaft, esta parte dos haltere é ficção, sabes, para efeitos cómicos? :) Sei que há uns meses não precisava de incluir este pequeno disclaimer, mas neste momento estás bastante susceptível e todo o cuidado é pouco. Por exemplo, lembras-te de como entraste em pânico quando a escondi na máquina de lavar roupa e te perguntei qual era o programa para bebés delicados?

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

o pai urso



Um pouco contra a vontade da Plaft, estou a pensar encomendar na Amazon o realistic bear costume.  Ela acha que 600$ é um disparate - apesar de lhe explicar que já tem uma poupança de 125$ - mas eu penso que o investimento podia compensar. A ideia é vestir este fato de urso longe do olhar da Júlia e passear por perto dela. Depois dispo o fato e volto a aparecer-lhe em versão normal, como se não fosse nada. O urso vai interagir com ela, roubando-lhe um cobertor ou um brinquedo, trazendo-lhe mel em troca da papa, brincando com ela, rebolando no chão etc. O urso vai sempre fugir de mansinho quando alguém se aproxima e eu vou trocar de roupa depressa e reaparecer vindo de outra porta como se não fosse nada. O essencial é fazer com que a Júlia acredite que há um urso a viver em casa, que só ela sabe da existência do urso e que é seu dever manter o segredo. Se ela nos tentar dizer que há um urso em casa, nós vamos fingir que achamos muita graça, mas que não acreditamos. É certo que muitos pais preferem optar por fazer a criança acreditar que um homem morreu pelos seus pecados, foi crucificado, ressuscitou e que as vigia o tempo todo a ver se elas não vão para o inferno. Pessoalmente, acho essa fantasia um pouco irreal demais quando comparada com a do urso. Penso que será fácil manter esta ilusão do urso até ela ter quatro ou cinco anos de idade. O ideal era manter isto até à adolescência (ou mesmo depois) mas admito que é um pouco ambicioso demais. Seria óptimo surpreendê-la no Cais do Sodré quando se preparasse para beber o primeiro shot fornecido por um infecto adolescente dois anos mais velho. O urso, pelo uso de comunicação não verbal, poderia fazer-lhe ver que esse comportamento não era adequado para uma princesa da floresta, fosse por dizer que não com o dedo e com a cabeça em gestos reprovadores, fosse por sovar violentamente o jovem, fosse por agarrar nela, atirá-la para cima do ombro e levá-la para casa (talvez apanhando um taxi ou então compro uma pickup para o urso, os ursos andam de pickup) deixando-a nos arbustos do meu quintal. Toco à campainha e fujo, para ter tempo de despir a fantasia, entrar pelas traseiras da casa, abrir a porta da frente e exclamar "já em casa, filha? Que bom, vieste antes da hora!"
Acho que isto tem pernas para andar.

 Já agora, tive esta ideia ontem quando fui à primeira consulta no pediatra. A médica disse-me que ela já reconhecia a mãe e que com o tempo ia reconhecer o pai também. Disse-me aquilo como e fosse para me motivar, mas a verdade é que fiquei extremamente desiludido e amuado. Eu pensava que a Júlia já me reconhecia. Pelos visto, só reconhece a mãe, de acordo com a senhora doutora. Passei o dia a mudar-lhe as fraldas com comentários cínicos como "pois... cá está o estranho a mudar-te as fraldas... nem sei para que me dou ao trabalho... tu não sabes quem eu sou... tanto faz ser eu como outro qualquer" ou a pegar-lhe ao colo e a dizer-lhe "pois, queres colo, mas para ti tanto faz ser eu como um urso da floresta". E pronto. Até me decidir a comprar a fantasia, vou continuar a retaliar contra o facto dela não me reconhecer com as amplas fungadelas que lhe dou na cara, no pescoço e nos refegos, como se fosse um cão a farejá-la curioso, enquanto lhe digo "quem és tu? snif snif snif és o meu bebé? deixa cá ver snif snif snif" Por enquanto ela parece achar divertido, mas quero ver se vai achar graça quando lhe fizer isto à saída da escola ou do ballet.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Olá

Finalmente, lá nos encontrámos cara a cara, faz hoje uma semana. Desculpa não ter escrito nada antes. Até tinha planeado uma maratona de escrita nas duas noites em que a mãe ficou internada depois do parto, mas não foi bem assim que se passou. Vou tentar agora, mas não é fácil. Eu às vezes queixava-me de falta de tema na minha vida pacata, mas agora tenho uma espécie de engarrafamento de temas. Percebi isso a primeira vez que te ouvi chorar, mal te tiraram da mãe, porque tive uma emoção muito forte que não conseguiu ser processada toda de uma vez. Foi a primeira coisa que ouvi de ti, antes de te ver: a tua voz. Para aqueles médicos e enfermeiros, és só mais um bebé, mas para mim, aquele "UuuaAAAa cof cof Uaaaahhh" de ovelhinha bebé, pareceu-me a coisa mais comovente que já ouvi na vida. Esperámos um pouco e depois cortei-te eu mesmo o cordão umbilical (delayed cord clamping, quando leres este texto provavelmente os médicos de todos os hospitais já usam isto como padrão). Estavas a chorar e com o queixinho de baixo a tremer de frio e embrulharam-te muito bem contra a mãe, em cima do peito dela. A tua voz, o estares a chorar de frio e do esforço, enfim... chorei um pouco. Pensei que ia ficar impressionado com tudo aquilo, pelas histórias intermináveis de maridos que desatam a tremer ou a desmaiar ou ficam nervosos a gritar com toda gente, mas quero que saibas que com o pai não houve nada de mariquices. Tudo porque a mãe esteve sempre feliz e corajosa, o tempo todo, mesmo quando quase me partiu a mão com uma contracção mais forte (uma enfermeira disse "nunca se dá a mão a uma mãe em trabalho de parto" antes de dirigir as mãos da Plaft para a armação de ferro da cama especialmente desenhada para o efeito). Eu confesso que estava muito nervoso de manhã, quando fomos a caminho do hospital para a indução de parto. Muito, mesmo. Sabes aquela ansiedade que temos no dia da partida de avião às 7 ou 8 da manhã para um destino longínquo para passar férias? E temos as malas, e os passaportes e temos um misto de ansiedade por medo de perder o avião ou de esquecer alguma coisa em casa, mas ao mesmo tempo excitados com a aventura que se avizinha? Pois estávamos assim mas vezes mil! Antes de irmos, acordei às 6 da manhã e fui correr, só porque não sabia o que fazer. E fui buscar o carro para o deixar à porta e notei que todos aqueles momentos estavam a ficar registados na minha memória devido a um gigantesco marcador somático. Fiquei no carro a pensar nisso, que tudo naquele dia, das nuvens no estranho céu da aurora à camada de cinza no carro devido a um incêndio de véspera, me estava a ficar registado para sempre. Os nervos passaram quando entrámos no hospital e o processo se iniciou. Parecia tudo tão normal e divertido ao mesmo tempo! Ok, divertido até começarem as contracções a sério. Quando te vi, tive consciência do milagre que tu és. 3.7kg de perfeição, com imenso cabelo já e uma suspeita camada de pelo. Sabia que era o chamado lanugo, ou de outro modo teria desconfiado que a tua mãe era uma lobimulher e eu não sabia. Acho que simpatizaste comigo logo. Nós apaixonamo-nos por ti todos os dias mais um pouco. Às vezes sinto isso fisicamente, uma descarga eléctrica a vir do coração, como se falhasse uma batida. Há muitos homens que dizem "basta olhar para o filho para a primeira vez e mudamos para sempre". Eu não acho isso. Acho que é uma coisa na qual se vai entrando. Uma coisa são emoções primitivas como chorar baba ranho, essencialmente de descompressão dos nervos do parto, outra é isto. É claro que quando te ouvi e vi pela primeira vez derreti-me todo, mas isso foi só o início. Percebo agora porque recomendam que um homem não perca o comboio logo ao início e estabeleça depressa uma ligação muito forte com o bebé. Vamos viver muitas coisas juntos e gostar cada vez mais um do outro. Esta semana pareceu-me a mais intensa da minha vida. Todos os dias há qualquer coisa de novo. Por exemplo, ontem sorriste muito tempo para mim (e não, não eram espasmos) e ficaste acordada muito tempo a ginasticar. Tomar conta de ti tem sido relativamente fácil e muitíssimo fácil se tivermos em conta as histórias de terror que nos contaram e que lemos, por vezes até em livros... Só choras por motivos muito óbvios e que se resolvem em poucos minutos (às vezes segundos) e dormes muito bem. Agradece à mamã ela amamentar-te Para além dos benefícios invisíveis (sistema imunitário, nutrientes certos) há um benefício evidente que vejo entre ti e ela. Tu recebes duas coisas nesses momentos: leite e amor. E a tua mãe também fica com a moca da prolactina e ocitocina, para além de se sentir muito útil para ti, porque tu ficas mesmo mesmo mesmo irritada quando tens fome e ficas mesmo com uma moca muito engraçada depois de mamar - é preciso segurar-te na cabeça para arrotares. Por isso agradece-lhe, porque lhe doeu muito nos primeiros dias e de vez em quando ainda oiço "AIAIIIIaiamgmgghhh" quando fazes uma pega mais forte.

Tanta coisa para contar, mas agora não há muito tempo porque estás ali ao lado e acho que te ouvi. Desculpa o texto um pouco desconjuntado, tentarei fazer melhor depois.

Ah, foste muito corajosa no teste do pezinho e até agora tens adorado a condução do papá, adormeces ferrada assim que o carro arranca.

Deixo os nossos leitores com os teus pezinhos reais, depois do teste:




sexta-feira, 9 de agosto de 2013

3.... 2...

Sou eu que posto isto, mas foi a Plaft que ouviu a conversa e anotou no caderninho:

- Mas quando é que será que ela chega?
 - Shhh, fala mais baixo!
 - Trouxeram a faixa? 
- Qual faixa? 
- A faixa a dizer "Bem vinda, Julice da Floresta!" 
- Oh, és tão parvo! Não leste o comunicado no castanheiro grande?! O nome dela não vai ser esse!
 - Eu cá não vi faixa nenhuma. Por mim fazia-se era uma fogueirinha, com salsichas e marshmellows. As crianças gostam dessas coisas. 
- Shhhhhhhiu!!! Não se distraiam! Ela deve estar quase a chegar, aos vossos lugares! 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

pais experientes vs pais teóricos (post menos a brincar vá)

Bem, com dois geeks cá em casa, toneladas de livros, artigos e um curso de preparação no centro pré e pós parto, o que não falta é informação teórica sobre como cuidar de um bebé aqui pelo lar. Já sabemos a teoria toda sobre cuidar de um bebé.

E já sei que esta afirmação provavelmente provocou num pai ou mãe experiente, uma reacção de riso de "não fazes ideia". É que sofremos, eu e a Plaft, essa reacção constantemente, se alguma vez nos atrevemos a dar uma opinião na presença de pais experientes, mesmo pais que foram pais recentemente e que estão a discutir um problema. É normal "gozarem" com um pai ou uma mãe que leia um mero livro sobre bebés ou que repita algo que aprendeu com enfermeiras especializadas em cuidados maternos, mesmo que seja contextualizado numa conversa. De facto, quando alguém questiona uma prática que pais aplicam aos próprios filhos, está a tocar num ponto muito, muito sensível, mesmo que queira simplesmente ajudar e partilhar algo que leu.

Dito isto, é preciso entender que práticas herdadas ou culturais não são necessariamente as melhores e que a teoria, em muitas áreas do comportamento humano, antecedeu a prática, a cultura ou aquilo que é intuitivo. Foram estudos que determinaram que o uso de cinto de segurança aumentava a probabilidade de sobreviver a um acidente ou que o tabaco causava cancro. Mesmo assim, é muito normal as pessoas não usarem cinto quando vão no banco de trás ou fumarem, assim como era normal quando eu era criança, ir a dormir deitado no banco de trás, sem cinto, com ambos os meus pais a fumar de janelas abertas. Também penso que me deitavam de barriga para baixo, quando se sabe hoje em dia que a Síndrome de Morte Súbita é melhor prevenida se o bebé dormir de barriga para cima. Daqui a 30 anos, haverá certamente mais informação e seremos nós, os pais de agora, os desactualizados, a não ser que façamos um check up à informação antes de dar conselhos aos nossos próprios filhos ou a pais recentes.

Em tudo o que diz respeito a bebés e crianças, as zonas cinzentas são enormes, dependem da cultura, do conhecimento, da educação que se teve. A ciência também deixa muitas perguntas sem resposta. Há práticas recomendadas pelos médicos que variam de zona geográfica para zona geográfica. A Internet é um mundo. Mesmo os profissionais de saúde, com anos de experiência, têm opiniões contraditórias. Curiosamente, são muitas vezes os jovens profissionais de saúde, os médicos e enfermeiros que acabaram de estudar os assuntos e que são os menos experientes, que acabam por ser os mais abertos e mais informados, havendo até conflitos de práticas em maternidades. Não foram nem uma, nem duas as enfermeiras especialistas que nos chamaram a atenção para o facto de hoje em dia, muitos pais terem até mais informação que os próprios profissionais de saúde com determinadas formações e culturas e que os pais devem ser assertivos quando estão convictos de uma prática.

Aquilo que me irrita um pouco na atitude de ignorar informação disponível e repetir práticas erradas (de acordo com a última informação) no cuidado de bebés ou em pedagogia, é exactamente o mesmo que me irrita quando alguém faz uma dieta que se sabe ser errada ou treina para corrida com métodos errados, de acordo com a informação disponível e perfeitamente acessível na internet, em livros ou em cursos simples e baratos. Todos nós temos reacções quando algo nos parece contra-intuitivo, devido ao facto de, ao aceitarmos esse facto, nos sentirmos atingidos pessoalmente, muito mais no caso de uma coisa que nós próprios fazemos e ao qual nos dedicamos. No caso dos nossos filhos isto é muito exacerbado e começa logo na gravidez...

 É evidente que a teoria não faz um bom pai ou mãe e que da teoria à prática vai um mundo enorme. Mas dizer isso é redundante, não é? Um piloto da força aérea tem aulas teóricas em que aprende mais ou menos como funciona a máquina que vai pilotar, antes de se meter no cockpit de um F16 sozinho. No caso de um bebé, a comparação mais adequada seja um tupolev russo dos anos 70, das linhas aéreas somalis, num dia de tempestade de areia e trovoada, tendo a bordo a selecção de Israel e uma dúzia de muçulmanos de mochilas às costas com ar suspeito. Mas o meu ponto é que faz parte se tentar ser bom pai... tentar ser bom pai. Isto é, demonstrar interesse e curiosidade, no mínimo. E perante problemas evidentes, ser flexível e questionar as próprias abordagens e investigar um bocadinho.
 

terça-feira, 23 de julho de 2013

espero que o bebé deles tenha as orelhas do avô


Pois é Júlia, tudo a falar do bebé da Kate e do William e vai ser assim sempre que ele fizer anos uns dias antes de ti. Príncipe para aqui, príncipe para acolá, que uma foto do bebé vale não sei quantos milhões... Pelo menos, a Kate é americana e nada aponta para o agravamento dos problemas genéticos relativos ao royal inbreeding que atormentam a aristocracia britânica. Por exemplo, as orelhas do prince Charles advêm de, em 1845, a duquesa de Yorkshire Camelot ter feito amor com o sobrinho cocker spaniel. A história da Camila remonta ao final do século dezoito e envolve uma premiadíssima égua de corrida, conhecida por ser particularmente pouco atraente, embora o primo direito da égua, o Duque de Westminster Cambrige, numa noite mais ébria, não fosse da mesma opinião. Tu serás sempre a nossa princesa, querida Júlia. Já sei, já sei... quando souberes ler isto, vais interrogar-te "mas onde está o meu castelo? a minha carruagem? os meus súbditos?" O que queremos dizer, eu e a mãe, quando te chamamos de princesa, é que és uma princesa no sentido metafórico.
Ou seja, não és princesa nenhuma, mas tens muito amor, que é uma coisa que no teu caso até vale dinheiro para estudar, comida e protecção. Vais perceber que o mundo funciona assim. A mãe quando diz ao pai "és o melhor cozinheiro do mundo" (que nunca diz, agora que penso nisso) não está exactamente a dizer que eu sou o melhor cozinheiro do mundo, mas sim a dar-me um elogio para me incentivar a cozinhar mais vezes em vez de ser ela. Quando o pai diz que ela é a mulher mais bonita do mundo... é porque é mesmo. Safa, ia-me espalhando agora. Já percebi pela comunicação que temos tido até agora, particularmente quando estás com os soluços, que tens uma personalidade forte.

Ah, a propósito, li em muitos sítios que tu já ouves bem dentro da barriga e que crias memórias, nomeadamente, com músicas. E que se voltares a ouvir a música já depois de nasceres e mesmo em idades mais crescidas, elas te soarão familiares e relaxante. Eu sei que devíamos ter sido disciplinados e posto a tocar uma coisa diferente todos os dias... por isso lamento que a música a que estejas mais exposta seja a do genérico dos Sopranos que estamos a rever de uma ponta à outra, todas as seasons :\

Sentes alguma coisa?


You woke up this morning 
Got yourself a gun, 
Mama always said
 you'd be The Chosen One lá laá láaaa 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

sujeitar as crianças a experiências científicas é bom

Uma das coisas fantásticas de se ser pai é poder realizar experiências como esta nos próprios filhos:

Ainda não discuti o assunto das experiências com a Plaft porque já sei que vai discordar e apresentar objecções. Não me espanta. A ciência, desde de que existe, encontrou sempre resistências nos poderes instituídos que procuram, pela perpetuação da ignorância, manipular as mentes das massas. Há também, hoje em dia, uma maior consciencialização do sofrimento infligido em experiências com cobaias, ratinhos e bebés. Contudo, basta de hipocrisias. Todos filhos são cobaias dos pais O Pai Natal,  que mais não é do que uma experiência controlada em que se procura condicionar o comportamento da criança para que seja bom de acordo com a normal moral vigente e que facilite a nossa própria tarefa educativa, recorrendo ao estímulo psicológico positivo na forma de presentes na árvore (ou pelo estímulo reciprocamente negativo da ausência de presentes na árvore)? Os exemplos de experiências são intermináveis, nem me ponham a falar do sistema educativo ou da filiação clubística, por exemplo. A não ser que deixemos a criança viver em liberdade num bosque para que seja adoptada por um casal de ursos ou uma matilha de lobos (como era suposto e desejável - não contei à Plaft mas os meus passeios de BTT pela tapada de Mafra mais não são do que scouting de um bom day care) estaremos sempre a fazer experiências com ela. A diferença, comigo, é que as experiências serão relativamente inofensivas e controladas. Pelo menos, eu saberei o que estou a fazer e o condicionamento terá sempre em vista dotar a minha filha de qualidades que lhe permitam sobreviver melhor e ser mais feliz.

Dois exemplos:

Experiência nº1 -Objectivo: Não fazer birras de não querer andar
Já  todos vimos a situação: bebé chora, birra monumental, finca o pé, num local público e recusa-se a andar. Os pais, envergonhados, depois de desistirem de o tentar arrastar pelo braço e atrair ainda mais a atenção e olhares reprovadores sobre si, fazem normalmente a experiência de lhe dizer 'olha que ficas aí... olha a mãe está a ir embora... o pai está a ir embora, ficas aí, adeus...' O resultado nem sempre é eficaz e o problema é que a inconsistência da ameaça é muito difícil de obter, isto é, os pais não podem cumprir a ameaça por medo de perder efectivamente o filho e voltam para trás se ele se recusa a andar, prejudicando futuras tentativas de usar o mesmo método. A experiência consiste em pedir a alguém que tenha um aspecto mais ou menos de confiança (exemplo, outro pai que esteja a ver a cena e tenha empatia connosco) que simule o rapto da criança, colocando-a na bagageira de um carro (apenas durante breves momentos +-30 segundos) assim que desaparecemos do campo de visão. Depois os pais deverão abrir a bagageira do carro e dizer algo como "desta vez encontramos-te, mas para a próxima podes ficar aí dentro para sempre". É de esperar que ao fim de algumas simulações, a criança evite fazer birras e se mantenha bem perto dos pais sempre que estes se afastem.


Experiência nº2 - Ser do Benfica
Inspirei-me num caso real que me contaram e que considero muito bem pensado. Passa por, sempre que brincarmos juntos a algo minimamente competitivo, sermos alternadamente do Benfica e do Sporting. Quando ela for do Benfica e eu do Sporting, ela ganha sempre, pois farei de propósito para perder. Vou também queixar-me e chorar e, sobretudo, acusá-la sempre de batota. Quando for a vez dela ser do Sporting e eu do Benfica, serei impiedoso e vou-lhe impor copiosas derrotas, nem que tenha de treinar músicas do Justin Bieber no Just Dance na Wii às escondidas, mas terei bom ganhar e serei magnânimo.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

contagem final

Pedaço a pedaço, a casa vai-se reconfigurando e nasce um quarto de bebé no meio dela. Paredes pintadas, rodapés, candeeiros, roupeiros, cómodas, berço, prateleiras... Assemelha-se um pouco a uma organização de evento. Momentos antes do evento ninguém acredita que vai estar pronto a tempo e a azáfama é total. Andámos meses a "preparar" o quarto, mas evidentemente com um ritmo irregular porque tudo parecia um pouco irreal, como o Mundial de Futebol no Brasil. Sim, sim, precisamos de construir acessos, arrasar favelas, maquilhar e vestir os pobres e montar o berço, mas faltam três meses, é imenso tempo. Agora não faltam "meses", já começamos a contar semanas. O umbigo da Plaft está praticamente na horizontal na barriga esticada como um tambor. Hoje apanhei-a sentada na grande cadeira de verga suspensa por mola em forma de ovo (uma cena que ela quis) a olhar para o quarto novo, com um sorriso embevecido, a imaginar-se dali por umas semanas. Uma coisa é certa, podem estar 35 graus, mas dou comigo a pensar no Natal mais especial que vou ter desde que cresci e deixei de acreditar em magia.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

bebé mau

... bath?... um produto made in whatever parte da globalização. Desculpa Júlia, juro que não sabíamos que este produto era para este tipo de bebés em específico.

terça-feira, 25 de junho de 2013

incêndio na cozinha ou a origem misteriosa das pegadas cor de rosa



Querida Júlia, tu não sabes, mas ontem peguei fogo à cozinha onde a tua mãe estava a cozinhar o nosso jantar. Desculpa. Eu posso explicar. 

Quis pintar os rodapés do teu quarto de cor de rosa, exactamente a mesma cor (código NCS S 1015-Y90R) daquele rebordo que divide o teu quarto em dois, mas com tinta de esmalte. É uma cor que vem da paleta "Northern Light", são cores boas para funcionar bem quando o espectro luminoso se desloca para o azul, garantindo cores bonitas e calorosas mesmo em dias cinzentos e... pronto, isto se calhar não interessa. Mas dizia eu, quis pintar os rodapés e pintei, com muito cuidado. Foi a tua mãe que colou as fitas e tudo, a parte mais chata, mas não podia pintar porque gosta demasiado do cheiro do solvente da tinta de esmalte e lemos num site que cheirar solventes é mau para o bebé.

Acabei de pintar e tudo parecia correr bem, mas quando fui lavar o rolinho de esponja no lavatório da cozinha cometi um erro, um erro pequenino. Estou habituado a tintas de água, percebes? Saem com muita facilidade do rolo e das mãos, com água, limpam-se com uma esponja e tudo. Mas qual não é o meu espanto quando a minha mão ficou coberta de tinta rosa pegajosa que não saía nem por nada? E que a tinta se começou a agarrar ao lavatório e à torneira... tentei ser discreto e não assustar a tua mãe que vigiava os tachos.

E peguei numa garrafa de solvente industrial que tinha guardado no armário, uma sobra de quando injectei espuma de poliuretano na caixilharia das janelas isolantes e precisei de limpar as minhas mãos que inadvertidamente entraram em contacto com o produto quando as luvas de latex se colaram e rasgaram.

Pronto, admito que não foi muito boa ideia, mas enchi o lavatório com água e despejei solvente lá para dentro. Estava consciente que aquele solvente é mesmo muito forte, que tem muitos avisos cor de laranja na embalagem e que o senhor da drogaria mo vendeu como se fosse uma arma sem número de série, tive de lhe dizer que acetona não servia, que tinha de ser algo muito mais forte e exibir-lhe os fios de espuma de poliuretano colados às minhas mãos. Mas pensei que diluído em água fosse mais ameno e não me causasse as mesmas reacções na pele que da primeira vez que o usei. E achei que com água quente aquilo limpasse melhor, só que o esquentador está mesmo por cima do lavatório da cozinha. Então e não é que aquilo explodiu e irrompeu em chamas? 

Querida Júlia, é que parecia um assador de chouriço gigante, não estás bem a ver... Tenho os antebraços chamuscados, mas só me apercebi disso uma hora depois quando a situação voltou ao normal. O solvente na água continuou a emitir vapores e incendiou-se nas chamas do esquentador. Todo o lavatório parecia um lago de fogo, uma coisa mesmo à Michael Bay! Mas o papá teve muitos reflexos, que é para veres. Abri o armário e tirei de lá uma toalha de mesa e atirei-a para dentro do lavatório para apagar as chamas. Não reparei que a toalha era inflamável também, admito. Nem que a garrafa de solvente estava no balcão ao lado do lavatório e que um pequeno rasto de solvente (mas uma gotas só, juro) foi o suficiente para as chamas chegarem à garrafa, tipo rastilho, para uma segunda explosão ainda mais espectacular que a primeira. Tenho pena de não ter tido a presença de espírito para tirar uma fotografia ou filmar e mostrar-te, mas pronto, paciência.

A tua mãe por esta altura (isto foram segundos) já tinha fugido contigo na barriga para a sala, depois de eu lhe ter dito para desligar o gás do fogão. Gritei-lhe para me trazer um cobertor. E ela trouxe-me um cobertor, mas foi logo trazer aquele cobertor que eu até gosto bastante, o laranja, mas que ela detesta e que está sempre a dizer para eu deitar fora. Mas não discuti com ela, só para veres como o papá coloca a tua vida acima de considerações estéticas ou decorativas. Atirei o cobertor para cima do lavatório e do balcão e fiz tap tap tap com ele por todo lado, porque as chamas estavam mesmo teimosas. O fogo apagou-se, naturalmente e voltei-me para a tua mãe e disse-lhe "vês? está tudo bem, sei o que estou a fazer" porque ela tem um bocado tendência de sofrer dos nervos e exagera. Abrimos as janelas todas, e o exaustor, desligamos gás e interruptores de luz e estive lá uma meia hora com a ventoinha portátil de gravidez da mãe, a ver se dissipava o solvente.

Nisto, não sei como, espalharam-se salpicos do rolo de tinta cor de rosa por toda a cozinha, especialmente no chão que é de pedra preta porosa e que custa mesmo a limpar. A tua mãe diz que fui eu que atirei o rolo ao ar num gesto talvez indicativo de estar assustado, mas não foi, mantive sempre a calma. Também verifiquei a existência de pegadas cor de rosa pelo chão, do lavatório para a janela que abri, sem me lembrar de o ter feito. Suponho que tenha sido eu, sabes? A tua mãe obrigou-me a limpar o chão e tive de o esfregar pelo menos meia hora, com aquela parte verde da esponja.

Foi depois disso, já na casa de banho, um pouco tonto do cheiro a solvente, que dei conta da tinta nos antebraços chamuscados e em madeixas de cabelo pegajosas e coladas, também chamuscadas. Estive outra meia hora a esfregar-me, o que foi bastante incómodo porque os meus braços estavam com um escaldão do passeio de BTT de 45 quilómetros que fiz este fim de semana e o solvente já me tinha queimado parcialmente a pele. A tua mãe bem me avisou: mete protector solar. Mas eu não segui os conselhos da tua mãe e vê só o que sucedeu? Tudo sujo, atraso no jantar, confusões, explosões etc.

Depois da situação regularizada, jantámos na sala. Ainda tentei fazer uma piada sobre a Sónia Brazão e que isto poderia ser bom para a carreira da tua mãe, no sentido de a projectar mediaticamente, mas ela não achou graça. E não tem graça nenhuma, realmente.

Isto explica as ténues pegadas rosa no chão preto da cozinha que provavelmente ainda lá estarão quando conseguires ler este texto. A maior parte saiu (expliquei à tua mãe hoje) e só se vê mesmo com a luz do dia e com um bocado de má vontade. À noite não se vê, mas o chão é meio poroso e não dá mesmo para tirar aquilo.

Bem, só queria que soubesses que está tudo sobre controlo e que estamos perfeitamente preparados para te ter quando nasceres, porque é com a prática e as experiências como esta que percebemos aquilo de que as crianças são capazes se não forem vigiadas. Ainda sugeri à mamã despejar um pouco de solvente no balde da esfregona quando a empregada vier a casa e fugirmos durante umas horas, deixando o número dos bombeiros num post it, em cima do balcão, assim como quem não quer a coisa, mas a tua mãe não concorda e diz que vai meter os produtos industriais inflamáveis longe do alcance do pai e que a próxima compra é uma manta anti-fogos para a cozinha. Preferia usar o tapete da casa de banho, aquele de que não gosto nada e que a tua mãe escolheu, mas pelos vistos há uma "manta anti-fogos" especificamente para estes propósitos.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Educar o gosto literário do bebé




Comprar livros infantis na Feira do Livro foi uma novidade para mim, pois o único livro do José Luís Peixoto que tenho, foi-me oferecido por um ex-amigo. Comprei os clássicos Vento nos Salgueiros, O Livro da Selva, mas a Plaft explicou-me que ela só entenderá esses livros quando for mais crescida e que devíamos agora comprar coisas mais simples. Tenho medo que a criança me saia de esquerda como a mãe e ainda tentei impingir-lhe um livro do "Pato Donald Trump", mas sem sucesso. Uma das coisas que temos de ter em conta na escolha de um livro infantil, é a capacidade de entendimento da criança. Até um ano de idade, o bebé tem pouco mais capacidade de entendimento que um leitor de José Rodrigues dos Santos. O primeiro livro que decidi oferecer-lhe tem um cão em relevo de peluche, na capa. Hesitei entre esse e o que tinha o gato, uma vez que não tinha qualquer referência crítica sobre estas edições. Após uma breve avaliação, considerei que o livro com o cão na capa era uma obra mais sólida, uma vez que o gato tinha os bigodes a soltarem-se e uma orelha a descoser-se. O cão faz squeeeek quando se aperta, ensinado à criança que os cães não devem ser apertados porque fazem squeeek (?...). Depois, tem a imagem de uma bola de futebol. Segue-se um elefante e depois uma girafa e mais gravuras deste tipo, sem qualquer texto ou nexo, deixando à criança o trabalho de fazer daquilo uma história,  como nos romances do António Lobo Antunes, mas com bonecos. A Plaft entusiasmou-se muito com a banca da Kalandraka, especialmente a obra de Arnold Lobel. Comprou o incontornável Sopa de Rato e o agora clássico Histórias de Ratinhos (na época, incompreendido pela crítica). Tentei fazer-lhe ver que esses livros são para crianças de nível João Tordo para cima, mas ela insistiu que precisava mesmo de os ter, mas que não eram para ela, eram para o bebé... claro. Desde Sábado que os lê diariamente, em voz alta, ensaiando os diversos papeis e vozes, reflectindo profundamente sobre o significado e a moral de cada trecho, o que nem sempre é fácil nos livros infantis. A doninha vai fazer uma sopa de rato, mas o rato diz-lhe que tem de temperar a sopa com histórias... É uma excelente ideia, quando perdermos os dois o emprego e tivermos de comer massa todos os dias, vamos testar isso de temperar a comida com histórias, a ver se ela gosta. 

Estás farta de comer massa com salsichas, bebé? Mas oh, esta é temperada com uma linda história. Era uma vez um porquinho fofinho que queria ser o rei dos porquinhos. Ia a passear pelo campo e encontrou um prédio grande com chaminés que deitavam fumo e com um letreiro que dizia "Nobre". 'Nobre?' pensou o porquinho, 'eu sou nobre. Deve ser este o meu castelo, vou bater à porta...'

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Querida Júlia,

Escrevo-te uma cartinha de amor. Eu tenho muitas saudades do meu pai e ele não se exprimia muito bem por palavras. O amor não se exprime por palavras, mas por actos. Só percebi isso aos 30 anos porque sou muito teimoso, espero que não sejas tão teimosa quanto eu. Até agora nós ainda não falámos, só eu é que falei contigo porque li que tu te habituas ao tom de voz e depois isso te acalma depois de nasceres. Já me deste uns quantos pontapés na cara. No outro dia estava a tentar ouvir o teu coração de passarinho com o ouvido encostado à barriga da mãe porque vi num documentárioda BBC que era possível ouvir. E tu deste-me um violento pontapé. Não diria violento, não me magoaste, mas foi muito assertivo e toda a barriga da mãe chocalhou e vibrou como um pequeno tambor. Tens uma personalidade forte, isso parece-me evidente. Eu não sou muito bom a falar e não acho que o meu papel seja falar, mas sim aguentar os teus pontapés. Vais dar muitos, até bem tarde. Se fores como eu ou a tua mãe ou uma mistura dos dois, vais dar pontapés para sempre. Desculpa os genes. Desculpa confessar-te que não sabemos muito bem, nenhum de nós, o que estamos a fazer! A ideia de sairmos os dois de casa para o hospital quando chegar à regra do 511 (contracções de 5 em 5 minutos com a duração de 1 minuto durante pelo menos 1 hora – eu sou um pai certificado!) e voltarmos com outra pessoa para casa, é um pouco absurda, mágica, surreal... Sei que para ti que, quando leres isto, pintas o céu de rosa e o sol de azul e metes sorrisos em ávores, tudo parece muito natural, mas olha que para adultos com instrução, esta coisa de sermos dois e de repente três, é estranha. Saímos de casa e voltamos contigo! Bem, tu já estás connosco agora, é verdade, mas percebes o que quero dizer. Claro que até teres idade para ler isto e perceberes o que aqui está escrito, já te iludimos o tempo suficiente para acreditares que estamos certificados para te educar.

Estamos a preparar o teu quarto, já comprámos móveis, a tua mãe comprou muita coisa pelo OLX e pelo Custo Justo... Os pais têm de ser espertos, sabes? A vida não está fácil, mas não é preciso complicar demais. Até tu perceberes o que é uma “marca”, o que é ser fixe e essas coisas, levas com o mais barato que houver que te lixas. Baby grows à boca de sino, eu sei, não é cool, mas tu só começas a fazer memórias lá pelos 4 anos por isso... Parecemos traficantes de droga, a encontrarmo-nos com pais no parque de estacionamento do IKEA ou do Cascais Shoping e fazermos a troca de pacotes de fraldas novas, bombas de leite, carrinhos... Eles abrem a mala do carro, nós inspeccionamos o produto, damos o dinheiro em mão... juro-te, parece mesmo um negócio da máfia dos pais a fazer pela vida. Já agora, aproveito para dizer que a droga é má. A sério. A droga é um “não”. Não, Júlia! Não!

Isto de ser pai é fácil. É só dizer-te o que não podes fazer e o que podes fazer e tu obedeces. Tu és uma menina. Eu acho que com um menino sabia mais o que fazer e que assim fica tudo do avesso, como no primeiro encontro com a tua mãe, mas é por isso que estou feliz por seres uma menina. Desculpa se te parecer um Urso Rezingão. Às vezes tenho medo de que com a idade, se perca assim a capacidade de brincar e comece a ficar muito sério, mas aí tu é que tens de me ensinar coisas e de me educar, obrigado.

Ps:vi num documentário que tu nasces com muita força nas mãos, um reflexo do tempo em que éramos macaquinhos e nos tínhamos de segurar ao pelo dos pais para andar de ramo em ramo às cavalitas deles. Podia dizer-te que já não é preciso essa força toda nos dedos para agarrar em coisas e que a tua mãe, graças a Deus, não tem pelo que chegue nas costas para que tu te agarres a ela assim, mas faço questão de que me agarres a mão ou um dedinho com muita força quando nos virmos cá fora, mesmo que berres muito, porque sempre que precisares de mim, eu dou-te a mão e não te largo.
beijos e até já.
L.

curso de preparação pré e pós parto - o banho

Eu e a Plaft estamos a tirar um curso de preparação para o parto numa reconhecida universidade de curso pré e pós parto. As aulas assemelham-se a uma reunião de seita de mulheres que andam como pinguins, acompanhadas pelos respectivos homens que se evitam olhar nos olhos uns dos outros.

É preciso dizer que para nós, homens,a preparação para lidar com o bebé começa no primeiro trimestre da gravidez, pois as alterações hormonais na grávida iniciam um programa de simulação de privação de qualquer lógica na relação  causa -> efeito nas emoções. Isto é essencial para lidar com períodos em que o bebé está aborrecido com qualquer coisa e não se percebe o que é, pois não sabe verbalizar e raciocinar de forma lógica. Recorrendo apenas a modulações na birra, podemos perceber se o bebé está aborrecido porque tem fome apesar de ter comido há menos de meia hora ou se  é por ser a 3ª vez em 15 dias que vamos jantar fora para ver o Benfica e voltamos muito tarde, com os copos e num estado de espírito lastimável.

 No fim, receberemos o diploma e a certificação necessária ISO2000 para a criação e manuseio de bebés, sem o qual, disse-me a Plaft, não nos entregam o bebé na maternidade ou, de acordo com o pai dela que é advogado, podemos ser processados pelos próprios filhos por fraude, quando eles atingirem a maioridade, como aconteceu com aquele senhor que se fazia passar por representante das nações unidas e depois foi apanhado.

Eu não estava muito convencido quanto à necessidade do curso porque já tive imensas cadelas e cheguei a cuidar de uma ninhada de seis num apartamento. Sei que a preparação para o parto se poderia resumir a deixar a Plaft fazer o seu ninho dentro do roupeiro e deixar-lhe comida e bebida a distância segura, pois as mães tendem a tornar-se muito protectoras e agressivas se alguém se aproxima. E quanto ao pós-parto, por mim, era ela ter as vacinas em dia, cobrir o chão com um plástico impermeável e ir limpando os cocós para que não os espalhasse com as patas por todo lado.

 E a propósito disso, tive a primeira aula de pasteurização e higiene do bebé, onde pude aplicar os meus conhecimentos, conforme se pode verificar por esta foto:

Tolan treina banho e mudança de fralda em simulador de bebé

É bastante fácil se seguirmos as instruções da Plaft e as ilustrações que se assemelham a um livro de Judo que eu tive. Pega indicador polegar na axila mais distante, seguida de ipon de 180º para lavagem de rabinho. A bebé não se mexe, nem emite qualquer tipo de som de tão descontraída e embasbacada que está a olhar para o seu pai que é um pai espectacular e que ainda por cima escreve bem que se farta. A fralda veio limpa, não me quis dar trabalho desta vez. A água, neste caso, era imaginária, mas com água a sério é mais fácil porque o bebé pesa ainda menos. Vestir-lhe a roupa também foi mais complicado do que será na vida real, porque se trata de um boneco rígido e não colabora como a minha bebé vai colaborar, sendo mais difícil enfiar-lhe os braços no complexo baby grow.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

escolher um nome



"Julia"


Half of what I say is meaningless
But I say it just to reach you, Julia

Julia, Julia, oceanchild, calls me
So I sing a song of love, Julia
Julia, seashell eyes, windy smile, calls me
So I sing a song of love, Julia

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Público vs Privado

Vamos ter o bebé no público. Foi uma decisão complicada. À partida, estava inclinado para o privado. Nos hospitais privados é quase certo que o bebé nasce de cesariana, o que é bom, porque se pode marcar o dia, a hora, o médico e organizar a vida em função das férias e de compromissos. As percentagens de cesarianas chegam aos 93% enquanto que no público ficam-se por uns miseráveis 25-30%. A Plaft diz que isto acontece porque uma cesariana custa cerca de 5 mil euros e nos privados interessa-lhes o lucro e organizar a logística da estadia das mães, então qualquer motivo serve de desculpa para uma cesariana, visto que um parto natural é barato (em virtude de ser um método ultrapassado e arcaico) e mais demorado. Mas a Plaft é de esquerda e pensava o mesmo dos hotéis, até eu lhe mostrar os de cinco estrelas com SPA. Nos privados é possível fazer dezenas de ecografias, segundo me constou. Lá preocupam-se mesmo com a saúde das pessoas e não olham a despesas.

Exemplo de pós-parto num moderno hospital privado


Exemplo de pós-parto num hospital público


Qualquer ranking de instituições de ensino nos diz que os liceus privados são melhores. Têm os melhores professores, melhores alunos... penso que essa formação deveria começar logo nas horas anteriores ao nascimento. Se a Plafty Júnior nascesse rodeada de bebés do privado, com certeza teria mais hipóteses de sucesso profissional do que rodeada de bebés do público, sujeita a bullying por arremesso de chuchas por exemplo. Contudo, não foi possível convencer a Plaft, apoiada que estava por médicos, enfermeiras especializadas e outras pessoas que lhe explicaram que o público é melhor. Até lhe meteram na cabeça que quando há um problema qualquer grave, as mães são transferidas para hospitais públicos que têm especialistas e equipamentos capazes de resolver a situação e que só se deve recorrer à cesariana em caso de necessidade, o que consiste certamente numa calúnia de profissionais que não arranjaram foi colocação num hospital privado como deve ser. Eu nasci de cesariana. A minha mãe diz que foi porque eu estava todo embrulhado no cordão e de cabeça para cima. Não me recordo exactamente das circunstâncias, mas dá para ver que não me apetecia nada passar pela estucha de um parto natural. Como somos um casal moderno, as decisões respeitantes à gravidez são levadas a votos entre mim e a Plaft, embora o voto dela valha 2 e o meu 1. Portanto, desta vez ganhou ela. Vamos então para isso do público e do parto natural. Se quer parir como as vaquinhas e as porquinhas da quinta, que posso eu fazer?

quinta-feira, 2 de maio de 2013

é uma menina


Lentamente, a pouco e pouco, vou conseguindo reagir e varrer os estilhaços da bomba que o obstetra me atirou. Já passaram uns meses, mas lembro-me de pouca coisa do que se passou entretanto. Registei que os babygrows começaram a ter motivos femininos e tons rosa e que o meu esquema para construir um pequeno ringue de boxe no quarto do bebé desapareceu da minha secretária, provavelmente surripiado pela Plaft. Se fosse um menino, já estava tudo completamente planeado e saberia exactamente o que fazer em qualquer momento até ele fugir de casa e voltar quinze anos depois com uma garrafa de whisky para me pedir desculpa e admitir que fiz dele um homem a sério. Um menino é uma coisa muito simples de educar e também mais económica. Poderia emprestar-lhe os meus brinquedos todos, desde o volante com force feedback, ao carro telecomandado, passando pela colecção de GI Joes com que quase não brinco desde os 16 anos. Mas uma menina? Não percebo nada de meninas. Nunca percebi. Já tenho dificuldades que cheguem com a Plaft. Agora vão ser duas a dizer "não é nada, deixa lá" e a confundir-me todo e a deixar-me ansioso. Vou trocar tudo e sugerir uma ida ao sushi à bebé e passear a Plaft de carro para a adormecer. Aliás, eu já passeio a Plaft de carro para a adormecer, agora que penso nisso... Entretanto, muitas pessoas já me disseram "elas adoram o pai, são doidas pelo pai" como se isso ajudasse. O meu posicionamento é o do escritor maldito, do género americano decadente dos anos cinquenta, assim a puxar para um alcoolismo militante com misoginia radical. Não posso brincar a isso quando tenho de fazer de pónei pela sala com fitinhas no cabelo para ser 'o pónei mais bonito do reino'. Não é credível, raios. O pior é que vou gostar mesmo dela. Com o miúdo não se corria esse risco. Com o miúdo seria uma relação de competição, teste e provocação. O meu manual de puericultura seria um livro de história de Esparta. As demonstrações de afecto resumir-se-iam a um "boa pá" com palmada no ombro, os dois à beira do javali morto com a sua pequena lança espetada no flanco. Mas uma rapariga? Vai fazer de mim o que quiser!
- Pai pai, vamos ver a Pequena Sereia! 
- Mas querida, já vimos a Pequena Sereia dezasseis vezes. Não podemos ver outra coisa?
- Oh, está bem.
- O que foi?
- Não é nada pai, deixa...

quinta-feira, 7 de março de 2013

a orelha fica ali e o cotovelo é aquilo


Ainda bem que temos a Internet hoje em dia. Clicando num prático link que diz «Clique aqui para ver uma imagem do seu bebê» no baby center, temos acesso a uma imagem do nosso bebé. Suponho que não seja exactamente uma imagem do nosso bebé em particular, mas sim de um bebé qualquer que posou para o desenho. O que me intriga, no caso desta gravura das 17 semanas, é o motivo pelo qual salientaram, de todas partes que constituem um bebé, a orelha direita e o cotovelo esquerdo especificamente. Talvez tenha sido opção do tipo que fez o retrato... pode ter pouca confiança nas suas capacidades de desenho de anatomia, como aquelas crianças que quando fazem um desenho, escrevem "pai" e "mãe" com setinhas a apontar para as garatujas de um e de outro
Uma coisa que me surpreendeu muito nisto da gestação é o facto do bebé deixar depressa de ser o alien fixe da primeira ecografia e se transformar  num ser humano encolhido. Pensei mesmo que fosse uma espécie de pepino cabeçudo e que, às tantas, lá pelos 7 ou 8 meses, as coisas aparecessem estilo pipoca *pop* braços *pop* orelha *pop* pilinha. Nada disso. Registo a expressão concentrada do bebé no desenho, como se estivesse a meditar, todo zen. Por enquanto ele tem muito espaço lá dentro, não é como no fim da gravidez em que se sentirá como eu ontem no metro por causa da greve de comboios. Está a flutuar no líquido amniótico, uma redoma quente e que lhe deve parecer tão infinita quanto o universo. Neste momento já ouve sons e já vale a pena começar com as apresentações mútuas, berradas para a barriga: 'a tua mãe é maluca, vais ver, o pai é que é fixe', 'o teu pai é parvo', 'a tua mãe é que é', 'o teu pai tropeçou no próprio roupão', 'a tua mãe nunca tinha visto o apocalypse now', 'o teu pai não consegue ver um pacote de manteiga mesmo à frente dele no frigorífico' e por aí fora. Estamos a apresentar-nos ao bebé e aconselho todos os pais a fazerem este exercício, porque é bom a criança nascer familiarizada com as respectivas personalidades de um e de outro. Assim já sabe ao que vem e não há cá protestos, como aqueles bebés que eu vejo nos filmes que mal nascem se metem a chorar de desilusão e raiva de lhes ter calhado aqueles pais*. Quero que o meu nasça e que diga logo 'muito prazer, sou o vosso filho, quero ver o apocalypse now e ensinar ao pai como distinguir o pacote de manteiga dos outros lacticínios. Agora quero mamar, com licença'. Eu é que tenho de me contentar com o muito pouco que sei dele. Às vezes faço o exercício de criar personalidades, extrapolando o cruzamento dos meus genes com os da Plaft. Tinha um livro assim quando era pequeno, com bichos, cada página tinha um animal e as folhas estavam cortadas em dois horizontalmente. Podíamos combinar bichos virando as páginas, por exemplo, as patas de uma girafa e o corpo de um hipopótamo e aparecia escrito "girapótamo", a parte de cima de um elefante e a parte de baixo de uma zebra e ficava "zebrafante". Faço isto mesmo a dormir, em sonhos. Que espécie de girapótomo será ele se tiver a inteligência da Plaft e o meu enorme talento? Como será a zebrafante, se for uma rapariga e tiver o feitio da Plaft e a minha humildade? Às vezes as visões são maravilhosas como no caso do girapótomo, outras, um pequeno pesadelo, como é o caso da zebrafante. Mas não sabemos nada por enquanto. Só quando nascer e com a primeira conversa a dois, tu cá tu lá. Também quero perceber depressa o que ele espera de mim exactamente, não quero passar outra vez por um processo de tentativa-erro, já me bastou o início do namoro com a mãe.


*nota: entretanto a Plaft explicou-me que é bom que o bebé chore à nascença, significa que respira etc. ok, anotado, não me vou sentir ofendido se ele chorar.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Como garantir que o bebé é empreendedor


Uma das coisas que mais assusta os pais é ter um filho que não larga a mama, nem quando acaba o curso da universidade. É vê-los aí, saem de casa dos pais, para ir para manifestações de mão estendida, a pedinchar empregos, em vez de serem empreendedores e criarem o seu próprio negócio ou emigrar. Foi um enorme alívio descobrir  o curso BABYBOOM: POTENCIE AS CAPACIDADES DO SEU BEBÉ do prestigiado instituto 4LIFE, considerado a Harvard Business School da puericultura. Podemos confiar no currículo da dinamizadora; é "Doutoranda em Gestão e Empreendedorismo e Educadora de Infância". Não há dúvida que para conjugar um doutoramento em gestão com educação de infância, é preciso ter espírito empreendedor. O curso tem dois níveis: para crianças dos 4 aos 10 meses (nível 1) e outro para crianças dos  11 aos 18 meses (nível 2). O curso promove "autoconfiança, autonomia, segurança, capacidade de enfrentar o risco e socializar, criatividade, proatividade, motivação, iniciativa..." As reticências não são minhas e sugerem uma lista bastante mais longa de qualidades. Continua com "este programa procura, em conjunto com os pais, estimular estas características e o desenvolvimento do bebé com atividades, jogos e brincadeiras que os ajudarão a ser adultos mais atentos ao mundo que os rodeia, mais competentes, que não desistam ao primeiro obstáculo e que, com o seu esforço e recursos, possam alcançar os seus objetivos."

Parece-me o curso ideal para um bebé de sucesso.

A criatividade, por exemplo, tem de ser estimulada nos bebés e nas crianças, pelo intermédio de formações, não basta um bom colégio privado aos três anos. Por exemplo, se os deixamos assim sozinhos a rabiscar coisas, pintam tudo fora das margens, trocam as cores todas... já vi filhos de casais amigos a fazer este tipo de parvoíces desfocadas e descontextualizadas. A proactividade também se deve estimular no bebé, não queremos que fique embasbacado a olhar para as mamas da mãe sem as querer agarrar. Ele tem de querer o que vê e agarrar o que quer. Foi essa a mentalidade que eu tive no primeiro encontro com a mãe dele, por exemplo.

Quando mostrei isto à Plaft, pensei que iria reagir mal, pois ela é de esquerda e tem uma visão utópica do mundo lá fora. Mas não: riu-se, achou muita graça à ideia e até partilhou no facebook com muitos "lol's" de entusiasmo e likes dos amigos. Ainda  bem que tem flexibilidade suficiente pois o casal tem de ser uma equipa de coaching hoje em dia. A participar em manifestações, só como líder de uma jota com aspirações de poder genuínas. Mas não deve ser necessário. Conto que o meu filho, quando sair da universidade, tenha um currículo com formações a começar à 16ª semana de gestação. É o momento  a partir do qual desenvolvem a audição e já vale a pena encostar fones a debitar audiobooks motivacionais à barriga da mãe enquanto dormirmos. Já falta pouco!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

menino ou menina?

Em desespero, ontem, a 5 minutos do fim do jogo com a Académica e com o resultado em branco, virei-me para a barriga da Plaft (que obriguei a que ficasse orientada para a tv para melhor recepção) e disse-lhe "olha lá, se és menino, então faz com que o Benfica marque golo. Se o Benfica não marcar golo é porque és menina ou então és do Sporting"

5 minutos depois, golo! Grande celebração a chocalhar o líquido amniótico! *splosh squish blurb* Cordão umbilical a girar! olé olé!

Equipa do Benfica celebra o facto de ser um menino

Por estes motivos plausíveis e racionais, estou convencido de que é um menino. Mas a Plaft acha que é uma menina e prefere uma menina. Eu não me importo que seja uma menina, só que não sei o que fazer com uma menina. Tenho medo que uma menina não aprecie por aí além destruir coisas e matar pessoas no Battlefield na playstation, que considere irracional ir para dentro de água no inverno com ondas de três metros, que ache completamente idiota fazer 40km de BTT à chuva comigo tendo princípios de hipotermia depois da descida de Montejunto como me aconteceu ontem (foi tão divertido deixar de sentir as pernas e os braços) Estou a ver-me a brincar com bonecas, a ver a Pequena Sereia dez vezes, a ir patinar para Belém... Mas o que me aterroriza completamente é a adolescência da miúda. Em pequena vai gostar muito de mim, mas quando começar a ficar com a doença da adolescência e a achar que o pai dela é pouco fixe e a preferir sair à noite em vez de ficar em casa a brincar ao super mario karts com a Wii que lhe comprei de propósito quando ela fez 17 anos... A minha única salvação é se ela for uma dessas cromas engenheiras geeks. Sim, eu gostava de uma que fosse rato de laboratório e de biblioteca e que andasse metida nos livros e nas experiências, a mordiscar queijo e a rabiscar esboços de fórmulas químicas e cadeias de ADN, e que considerasse os rapazes um desperdício autêntico de tempo e paciência. 

Se for menino, a parte chata é o princípio, porque não aguenta bem 40km ou porque tem medo do mar e é preciso atirá-lo lá para dentro e aturar a Plaft aos berros a dizer que é perigoso para um miúdo de cinco anos. Mas depois ele fica mais rijo e torna-se útil, pode apanhar lenha e acender uma fogueira à chuva com um silex em plena serra de montejunto e salvar a vida ao seu velhote estendido no chão com princípios de hipotermia.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Como garantir que a nossa prole é do Benfica?


É óbvio que não podemos deixar entregue ao acaso uma coisa tão importante como o nosso filho ser do Benfica.
Pai, porque é que o Jesus inventa sempre contra o FCP?

 O problema é complexo. O meu sogro é do Sporting. Enfim, dizer que “é do Sporting” é um eufemismo para “ayatolah de alvalade”. As três filhas, incluindo a Plaft, são sócias desde que nasceram e ele leva-as a todos os jogos  - mesmo os desta época -  embrulhadas em burkas de cachecóis verde e branco. 

As irmãs mais novas da Plaft, ao conviverem comigo nos jantares de família, lembram-me um pouco o Edward Norton neonazi do América Proibida, reconvertido pelo convívio forçado com o negro na lavandaria da prisão. Descobrem que afinal os “lampiões” são seres humanos e não demónios, como lhes ensinaram toda a vida. Chegam mesmo a passar-me o pão à mesa e a sorrir-me, já se aproximando fisicamente para me cumprimentarem, em vez de me acenarem à distância, com um pau esticado na outra mão. Em todo o caso, para elas, ir ao estádio ver os jogos é sobretudo um ritual familiar a manter. E um ritual que eu respeito e admiro.

A Plaft achou que seria “giro” dar a novidade ao pai oferecendo-lhe uma camisolinha do Sporting tamanho bebé. Uma ideia engraçada, não fosse o caso de eu ser do Benfica e de ter ideias de que o meu filho seja do Benfica também. Eu é que lhe vou mudar as fraldas, dormir mal e aturar-lhe a adolescência. Vai-me custar uma pipa de massa e preocupações. Vai monopolizar os seios da minha mulher e vomitar-me em cima a seguir. Este ano vou perder o meu escritório modernista anos 60 que vai ser decorado com bichos e cores alegres, um berço do IKEA e um aparador fofinho, coisas a que eu não tive direito, tendo passado anos naquele escritório depressivo sem que ninguém se preocupasse com a sua decoração.  Não tinha eu direito a um cabide com mochos e esquilos também?

Pai, estive a ver o Sporting a jogar. Aquela defesa comete mais erros infantis que a minha creche...

Então o mínimo que peço é que venha venha comigo comer a porra de uma sandes de coirato e beber uma mini nos arrabaldes do estádio da Luz, assim que fizer dois ou três anos. Manifestei as minhas reservas e a Plaft compreendeu. As irmãs também me compreenderam e solidarizaram-se comigo. Contudo, não podem fazer nada. Fui avisado de que o mais provável era o meu sogro inscreve-lo(a) como sócio(a) do Sporting assim que nascesse e que até o podia fazer em segredo, sendo a verdade revelada apenas na sua maioridade, como uma espécie de twist dramático semelhante à descoberta de que é adoptado. 

Quanto a isso, não me oponho. Até acredito que grande parte dos actuais sócios do Sporting sejam oriundos deste tipo de filiação filantrópica e só isso pode explicar que tenha mais de dois mil sócios. Eu não quero que o Sporting desapareça. Se calhar eu próprio sou sócio do Sporting e não sei. Você, caro leitor, pode ser sócio do Sporting. É melhor ir verificar isso antes de se candidatar à presidência do Benfica e de outros descobrirem por si. Ia ter muito que explicar.

Pai, a mãe diz que a violência é errada, mas se apanharmos o Pedro Proença no playcenter do Colombo tu seguras nele e eu dou-lhe com a roca.


De facto, eu não ligo muito a essas coisas do futebol, não sou fundamentalista, o miúdo é livre de escolher, desde que escolha o Benfica. Como garantir isso? Simples: o truque é fazê-lo acreditar que tem escolha, para a fidelidade ser maior. Devemos deixar margem para uma ilusão de livre arbítrio, ao avaliar ele próprio os três grandes e deixá-lo escolher. A escolha do Sporting é obviamente descartada uma vez mesmo uma criança de um ano de idade identifica erros graves nos padrões defensivos dos bonequinhos de verde e branco que se agitam de forma caótica e desagradável na televisão. É apenas preciso cuidado para que não escolha o FCP. Como evitar que escolha o FCP? Simples: o Benfica será igual a sandes de coirato e minis (ou seja o que for que as crianças bebem quando vão ao futebol, talvez  lambretas, não sei, deve depender do peso delas). As vitórias deixarão o pai bem disposto, generoso, carinhoso e disponível para lhe dar atenção. 

A derrota, por outro lado, levará a um choque eléctrico moderado que pode passar pelo facto do pai amuar e ficar mal disposto, sem vontade de brincar com ele.  Esta táctica foi amplamente usada por mim com a Plaft. Ela, apenas com um ano de terapia comigo, já fica aliviada quando o Benfica ganha e preocupada quando o Benfica perde. É um começo de empatia clubística e por isso, posso assegurar que funciona!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Como lidar com a grávida



A gravidez, especialmente o primeiro trimestre, atira a mulher para os confins distantes de uma bad trip permanente de hormonas: estrogénio, progesterona, HGC, HPL... Uma vez no Sudoeste vi algo parecido quando uma freak hippie de rastas começou aos berros em frente a um sobreiro. A diferença é que em vez de gritar coisas como 'o pássaro azul chora na árvore que arde!' é mais provável que a grávida grite coisas como 'quero McNuggets!' ou 'tu achas que vou ficar gorda!' quando sugerimos uma salada em vez dos McNuggets. Na pesquisa que fiz não encontrei qualquer referência a nitroglicerina, o que me espantou: era capaz de jurar que a mulher sintetiza este composto em grandes quantidades e que regula o seu estado de espírito por ele. Felizmente, a mãe Natureza sabe o que faz e também deu uma espécie de antídoto: o cansaço extremo. Este cansaço neutraliza a grávida durante alguns períodos do dia. Utilizando uma comparação fácil de entender, fazer um bebé é um esforço equivalente ao Brasil acabar os estádios a tempo do Mundial. Tentem imaginar um enorme estaleiro de construção no útero, com células a correr de um lado para o outro muito atarefadas, todas a reclamar nutrientes muito zangadas: 'esse omega 3 vai aqui para a membrana da célula vascular' e outra 'ai não vai não, esse vai mas é para o nariz' e depois aparece um camião de ácido fólico e é a confusão, com o ADN a gritar que naquele ácido fólico ninguém toca, que é para o sistema nervoso; e depois os outros órgãos todos 'pois, pois, corrupção, é sempre a mesma coisa, o sistema nervoso fica sempre com os melhores nutrientes...'  E com isto, a grávida fica sedada boa parte do dia, diminuindo os possíveis danos da expressão física da sua raiva. É como um cão hiperactivo que nem temos de meter a correr num descampado para que fique sossegado à noite. Este cansaço é mais nítido no primeiro trimestre, exactamente aquele em que as hormonas causam mais impacto no estado de espírito. Aquilo que temos de ter presente é que as alterações hormonais são naturais e necessárias na gravidez, tendo também os seus efeitos positivos, como por exemplo, o aumento dos seios. Assim de repente não me lembro de outro efeito positivo... Mas este é suficiente. A grávida ganha peso, o que é normal, mas não é como a obesidade em que as gorduras são distribuídas de forma uniforme pelo corpo. Graças às hormonas, o aumento de peso nos seios é milagrosamente desproporcional. Não devemos menosprezar a sabedoria da Natureza e os meandros da selecção natural. Ela sabia o que estava a fazer e achou por bem compensar o homem para que este se mantivesse estoicamente dedicado à sua parceira e à sua futura prole, dando-lhe algo a que se agarrar nos momentos mais difíceis e um objectivo: caçar e colectar para providenciar nutrientes para os seios.