terça-feira, 28 de maio de 2013

Educar o gosto literário do bebé




Comprar livros infantis na Feira do Livro foi uma novidade para mim, pois o único livro do José Luís Peixoto que tenho, foi-me oferecido por um ex-amigo. Comprei os clássicos Vento nos Salgueiros, O Livro da Selva, mas a Plaft explicou-me que ela só entenderá esses livros quando for mais crescida e que devíamos agora comprar coisas mais simples. Tenho medo que a criança me saia de esquerda como a mãe e ainda tentei impingir-lhe um livro do "Pato Donald Trump", mas sem sucesso. Uma das coisas que temos de ter em conta na escolha de um livro infantil, é a capacidade de entendimento da criança. Até um ano de idade, o bebé tem pouco mais capacidade de entendimento que um leitor de José Rodrigues dos Santos. O primeiro livro que decidi oferecer-lhe tem um cão em relevo de peluche, na capa. Hesitei entre esse e o que tinha o gato, uma vez que não tinha qualquer referência crítica sobre estas edições. Após uma breve avaliação, considerei que o livro com o cão na capa era uma obra mais sólida, uma vez que o gato tinha os bigodes a soltarem-se e uma orelha a descoser-se. O cão faz squeeeek quando se aperta, ensinado à criança que os cães não devem ser apertados porque fazem squeeek (?...). Depois, tem a imagem de uma bola de futebol. Segue-se um elefante e depois uma girafa e mais gravuras deste tipo, sem qualquer texto ou nexo, deixando à criança o trabalho de fazer daquilo uma história,  como nos romances do António Lobo Antunes, mas com bonecos. A Plaft entusiasmou-se muito com a banca da Kalandraka, especialmente a obra de Arnold Lobel. Comprou o incontornável Sopa de Rato e o agora clássico Histórias de Ratinhos (na época, incompreendido pela crítica). Tentei fazer-lhe ver que esses livros são para crianças de nível João Tordo para cima, mas ela insistiu que precisava mesmo de os ter, mas que não eram para ela, eram para o bebé... claro. Desde Sábado que os lê diariamente, em voz alta, ensaiando os diversos papeis e vozes, reflectindo profundamente sobre o significado e a moral de cada trecho, o que nem sempre é fácil nos livros infantis. A doninha vai fazer uma sopa de rato, mas o rato diz-lhe que tem de temperar a sopa com histórias... É uma excelente ideia, quando perdermos os dois o emprego e tivermos de comer massa todos os dias, vamos testar isso de temperar a comida com histórias, a ver se ela gosta. 

Estás farta de comer massa com salsichas, bebé? Mas oh, esta é temperada com uma linda história. Era uma vez um porquinho fofinho que queria ser o rei dos porquinhos. Ia a passear pelo campo e encontrou um prédio grande com chaminés que deitavam fumo e com um letreiro que dizia "Nobre". 'Nobre?' pensou o porquinho, 'eu sou nobre. Deve ser este o meu castelo, vou bater à porta...'

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Querida Júlia,

Escrevo-te uma cartinha de amor. Eu tenho muitas saudades do meu pai e ele não se exprimia muito bem por palavras. O amor não se exprime por palavras, mas por actos. Só percebi isso aos 30 anos porque sou muito teimoso, espero que não sejas tão teimosa quanto eu. Até agora nós ainda não falámos, só eu é que falei contigo porque li que tu te habituas ao tom de voz e depois isso te acalma depois de nasceres. Já me deste uns quantos pontapés na cara. No outro dia estava a tentar ouvir o teu coração de passarinho com o ouvido encostado à barriga da mãe porque vi num documentárioda BBC que era possível ouvir. E tu deste-me um violento pontapé. Não diria violento, não me magoaste, mas foi muito assertivo e toda a barriga da mãe chocalhou e vibrou como um pequeno tambor. Tens uma personalidade forte, isso parece-me evidente. Eu não sou muito bom a falar e não acho que o meu papel seja falar, mas sim aguentar os teus pontapés. Vais dar muitos, até bem tarde. Se fores como eu ou a tua mãe ou uma mistura dos dois, vais dar pontapés para sempre. Desculpa os genes. Desculpa confessar-te que não sabemos muito bem, nenhum de nós, o que estamos a fazer! A ideia de sairmos os dois de casa para o hospital quando chegar à regra do 511 (contracções de 5 em 5 minutos com a duração de 1 minuto durante pelo menos 1 hora – eu sou um pai certificado!) e voltarmos com outra pessoa para casa, é um pouco absurda, mágica, surreal... Sei que para ti que, quando leres isto, pintas o céu de rosa e o sol de azul e metes sorrisos em ávores, tudo parece muito natural, mas olha que para adultos com instrução, esta coisa de sermos dois e de repente três, é estranha. Saímos de casa e voltamos contigo! Bem, tu já estás connosco agora, é verdade, mas percebes o que quero dizer. Claro que até teres idade para ler isto e perceberes o que aqui está escrito, já te iludimos o tempo suficiente para acreditares que estamos certificados para te educar.

Estamos a preparar o teu quarto, já comprámos móveis, a tua mãe comprou muita coisa pelo OLX e pelo Custo Justo... Os pais têm de ser espertos, sabes? A vida não está fácil, mas não é preciso complicar demais. Até tu perceberes o que é uma “marca”, o que é ser fixe e essas coisas, levas com o mais barato que houver que te lixas. Baby grows à boca de sino, eu sei, não é cool, mas tu só começas a fazer memórias lá pelos 4 anos por isso... Parecemos traficantes de droga, a encontrarmo-nos com pais no parque de estacionamento do IKEA ou do Cascais Shoping e fazermos a troca de pacotes de fraldas novas, bombas de leite, carrinhos... Eles abrem a mala do carro, nós inspeccionamos o produto, damos o dinheiro em mão... juro-te, parece mesmo um negócio da máfia dos pais a fazer pela vida. Já agora, aproveito para dizer que a droga é má. A sério. A droga é um “não”. Não, Júlia! Não!

Isto de ser pai é fácil. É só dizer-te o que não podes fazer e o que podes fazer e tu obedeces. Tu és uma menina. Eu acho que com um menino sabia mais o que fazer e que assim fica tudo do avesso, como no primeiro encontro com a tua mãe, mas é por isso que estou feliz por seres uma menina. Desculpa se te parecer um Urso Rezingão. Às vezes tenho medo de que com a idade, se perca assim a capacidade de brincar e comece a ficar muito sério, mas aí tu é que tens de me ensinar coisas e de me educar, obrigado.

Ps:vi num documentário que tu nasces com muita força nas mãos, um reflexo do tempo em que éramos macaquinhos e nos tínhamos de segurar ao pelo dos pais para andar de ramo em ramo às cavalitas deles. Podia dizer-te que já não é preciso essa força toda nos dedos para agarrar em coisas e que a tua mãe, graças a Deus, não tem pelo que chegue nas costas para que tu te agarres a ela assim, mas faço questão de que me agarres a mão ou um dedinho com muita força quando nos virmos cá fora, mesmo que berres muito, porque sempre que precisares de mim, eu dou-te a mão e não te largo.
beijos e até já.
L.

curso de preparação pré e pós parto - o banho

Eu e a Plaft estamos a tirar um curso de preparação para o parto numa reconhecida universidade de curso pré e pós parto. As aulas assemelham-se a uma reunião de seita de mulheres que andam como pinguins, acompanhadas pelos respectivos homens que se evitam olhar nos olhos uns dos outros.

É preciso dizer que para nós, homens,a preparação para lidar com o bebé começa no primeiro trimestre da gravidez, pois as alterações hormonais na grávida iniciam um programa de simulação de privação de qualquer lógica na relação  causa -> efeito nas emoções. Isto é essencial para lidar com períodos em que o bebé está aborrecido com qualquer coisa e não se percebe o que é, pois não sabe verbalizar e raciocinar de forma lógica. Recorrendo apenas a modulações na birra, podemos perceber se o bebé está aborrecido porque tem fome apesar de ter comido há menos de meia hora ou se  é por ser a 3ª vez em 15 dias que vamos jantar fora para ver o Benfica e voltamos muito tarde, com os copos e num estado de espírito lastimável.

 No fim, receberemos o diploma e a certificação necessária ISO2000 para a criação e manuseio de bebés, sem o qual, disse-me a Plaft, não nos entregam o bebé na maternidade ou, de acordo com o pai dela que é advogado, podemos ser processados pelos próprios filhos por fraude, quando eles atingirem a maioridade, como aconteceu com aquele senhor que se fazia passar por representante das nações unidas e depois foi apanhado.

Eu não estava muito convencido quanto à necessidade do curso porque já tive imensas cadelas e cheguei a cuidar de uma ninhada de seis num apartamento. Sei que a preparação para o parto se poderia resumir a deixar a Plaft fazer o seu ninho dentro do roupeiro e deixar-lhe comida e bebida a distância segura, pois as mães tendem a tornar-se muito protectoras e agressivas se alguém se aproxima. E quanto ao pós-parto, por mim, era ela ter as vacinas em dia, cobrir o chão com um plástico impermeável e ir limpando os cocós para que não os espalhasse com as patas por todo lado.

 E a propósito disso, tive a primeira aula de pasteurização e higiene do bebé, onde pude aplicar os meus conhecimentos, conforme se pode verificar por esta foto:

Tolan treina banho e mudança de fralda em simulador de bebé

É bastante fácil se seguirmos as instruções da Plaft e as ilustrações que se assemelham a um livro de Judo que eu tive. Pega indicador polegar na axila mais distante, seguida de ipon de 180º para lavagem de rabinho. A bebé não se mexe, nem emite qualquer tipo de som de tão descontraída e embasbacada que está a olhar para o seu pai que é um pai espectacular e que ainda por cima escreve bem que se farta. A fralda veio limpa, não me quis dar trabalho desta vez. A água, neste caso, era imaginária, mas com água a sério é mais fácil porque o bebé pesa ainda menos. Vestir-lhe a roupa também foi mais complicado do que será na vida real, porque se trata de um boneco rígido e não colabora como a minha bebé vai colaborar, sendo mais difícil enfiar-lhe os braços no complexo baby grow.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

escolher um nome



"Julia"


Half of what I say is meaningless
But I say it just to reach you, Julia

Julia, Julia, oceanchild, calls me
So I sing a song of love, Julia
Julia, seashell eyes, windy smile, calls me
So I sing a song of love, Julia

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Público vs Privado

Vamos ter o bebé no público. Foi uma decisão complicada. À partida, estava inclinado para o privado. Nos hospitais privados é quase certo que o bebé nasce de cesariana, o que é bom, porque se pode marcar o dia, a hora, o médico e organizar a vida em função das férias e de compromissos. As percentagens de cesarianas chegam aos 93% enquanto que no público ficam-se por uns miseráveis 25-30%. A Plaft diz que isto acontece porque uma cesariana custa cerca de 5 mil euros e nos privados interessa-lhes o lucro e organizar a logística da estadia das mães, então qualquer motivo serve de desculpa para uma cesariana, visto que um parto natural é barato (em virtude de ser um método ultrapassado e arcaico) e mais demorado. Mas a Plaft é de esquerda e pensava o mesmo dos hotéis, até eu lhe mostrar os de cinco estrelas com SPA. Nos privados é possível fazer dezenas de ecografias, segundo me constou. Lá preocupam-se mesmo com a saúde das pessoas e não olham a despesas.

Exemplo de pós-parto num moderno hospital privado


Exemplo de pós-parto num hospital público


Qualquer ranking de instituições de ensino nos diz que os liceus privados são melhores. Têm os melhores professores, melhores alunos... penso que essa formação deveria começar logo nas horas anteriores ao nascimento. Se a Plafty Júnior nascesse rodeada de bebés do privado, com certeza teria mais hipóteses de sucesso profissional do que rodeada de bebés do público, sujeita a bullying por arremesso de chuchas por exemplo. Contudo, não foi possível convencer a Plaft, apoiada que estava por médicos, enfermeiras especializadas e outras pessoas que lhe explicaram que o público é melhor. Até lhe meteram na cabeça que quando há um problema qualquer grave, as mães são transferidas para hospitais públicos que têm especialistas e equipamentos capazes de resolver a situação e que só se deve recorrer à cesariana em caso de necessidade, o que consiste certamente numa calúnia de profissionais que não arranjaram foi colocação num hospital privado como deve ser. Eu nasci de cesariana. A minha mãe diz que foi porque eu estava todo embrulhado no cordão e de cabeça para cima. Não me recordo exactamente das circunstâncias, mas dá para ver que não me apetecia nada passar pela estucha de um parto natural. Como somos um casal moderno, as decisões respeitantes à gravidez são levadas a votos entre mim e a Plaft, embora o voto dela valha 2 e o meu 1. Portanto, desta vez ganhou ela. Vamos então para isso do público e do parto natural. Se quer parir como as vaquinhas e as porquinhas da quinta, que posso eu fazer?

quinta-feira, 2 de maio de 2013

é uma menina


Lentamente, a pouco e pouco, vou conseguindo reagir e varrer os estilhaços da bomba que o obstetra me atirou. Já passaram uns meses, mas lembro-me de pouca coisa do que se passou entretanto. Registei que os babygrows começaram a ter motivos femininos e tons rosa e que o meu esquema para construir um pequeno ringue de boxe no quarto do bebé desapareceu da minha secretária, provavelmente surripiado pela Plaft. Se fosse um menino, já estava tudo completamente planeado e saberia exactamente o que fazer em qualquer momento até ele fugir de casa e voltar quinze anos depois com uma garrafa de whisky para me pedir desculpa e admitir que fiz dele um homem a sério. Um menino é uma coisa muito simples de educar e também mais económica. Poderia emprestar-lhe os meus brinquedos todos, desde o volante com force feedback, ao carro telecomandado, passando pela colecção de GI Joes com que quase não brinco desde os 16 anos. Mas uma menina? Não percebo nada de meninas. Nunca percebi. Já tenho dificuldades que cheguem com a Plaft. Agora vão ser duas a dizer "não é nada, deixa lá" e a confundir-me todo e a deixar-me ansioso. Vou trocar tudo e sugerir uma ida ao sushi à bebé e passear a Plaft de carro para a adormecer. Aliás, eu já passeio a Plaft de carro para a adormecer, agora que penso nisso... Entretanto, muitas pessoas já me disseram "elas adoram o pai, são doidas pelo pai" como se isso ajudasse. O meu posicionamento é o do escritor maldito, do género americano decadente dos anos cinquenta, assim a puxar para um alcoolismo militante com misoginia radical. Não posso brincar a isso quando tenho de fazer de pónei pela sala com fitinhas no cabelo para ser 'o pónei mais bonito do reino'. Não é credível, raios. O pior é que vou gostar mesmo dela. Com o miúdo não se corria esse risco. Com o miúdo seria uma relação de competição, teste e provocação. O meu manual de puericultura seria um livro de história de Esparta. As demonstrações de afecto resumir-se-iam a um "boa pá" com palmada no ombro, os dois à beira do javali morto com a sua pequena lança espetada no flanco. Mas uma rapariga? Vai fazer de mim o que quiser!
- Pai pai, vamos ver a Pequena Sereia! 
- Mas querida, já vimos a Pequena Sereia dezasseis vezes. Não podemos ver outra coisa?
- Oh, está bem.
- O que foi?
- Não é nada pai, deixa...